A nossa vida vem cabendo em uma pequena
caixinha de rabo preto. É o tal do HD externo, que surgiu pra nos trazer
inúmeras facilidades, até o dia em que cai, quebra ou é formatado inadvertidamente.
E foi exatamente isto que ocorreu comigo ainda ontem à tarde. Ao invés de
formatar um pendrive que estava espetado em uma porta USB do notebook, errei de
pasta e apaguei quase 1 tera inteirinho de dados, entre documentos, livros,
músicas, vídeos e fotos. Foi como se eu perdesse um braço, ou um rim.
Passados os primeiros momentos,
pus-me a pensar o que poderia significar aquela perda. Bem, ali estavam documentos
importantes e textos escritos por mim nos últimos anos, além de fotos de
viagens. Era muita coisa: dezenas de milhares de arquivos, dos mais variados. Certamente,
muita coisa boa não será recuperada, mas também muita tralha desnecessária. E
se não tem jeito, o que hei de fazer?
Esses foram meus primeiros
pensamentos, que me trouxeram algum conforto. Fiquei olhando para aquele
pequeno objeto que havia pouco continha aquilo que eu considerava uma riqueza,
e que havia se evaporado (sempre me perguntei para onde os dados apagados iam
depois de descartados). E o pior é que eu vinha adiando há muito fazer um
backup do disco. Azar o meu!
Assim que eu percebi a merda
besteira que havia feito, olhei para os dois lados, meio envergonhado. Cliquei
novamente na pasta correspondente ao HD, pra me certificar de que eu havia, de
fato, cometido aquele despautério. E daí, após alguns segundos de intensa
angústia, perguntei a um colega de trabalho que se senta logo à minha frente,
se ele sabia se aquilo tinha remédio. A boa notícia é que ele falou que talvez
sim. Que os arquivos poderiam ser recuperados com a utilização do software
correto. Um novo ânimo percorreu minhas veias e artérias. Senti-me como um condenado
merecedor da indulgência divina. Era só fazer o download e o milagre ocorreria.
Corri pra casa e visitei o dito
site (os computadores do trabalho são travados pra esse tipo de coisa). Em
poucos segundos baixei a coisa e comecei a rodá-la. Na primeira tentativa, nada
feito. Voltei a desolar-me. Havia, porém, um outro botão, de nome “verificação
profunda”, que alertava, em letras destacadas, que ali os arquivos poderiam ser
mais facilmente recuperados, mas que perderiam seus nomes originais. Isto é, eu
teria os dados, mas sem qualquer identificação ou organização nas centenas
milhares de pastas, subpastas e subsubpastas. Fiquei com preguiça só de pensar no
esforço que teria que fazer para localizar e organizar tudo de novo. Cheguei a
pensar – pasmem! – que o melhor seria perder tudo..... vida nova!, falei comigo
mesmo, dominado pela falta de entusiasmo de ter zilhões de arquivos pagãos,
cujos nomes lhes foram arrancados em razão de uma patacoada digital de minha
parte.
Voltei a refletir e lembrei-me
dos arquivos do trabalho, cuja recriação seria mais trabalhosa que a tentativa
de os localizar nesse universo de pastas e subpastas e subsubpastas. O
resultado é que o computador está lá, firme e forte, indicando-me a todo
segundo a recuperação de mais uma porção de minha vida convertida em bites e
bytes. É incrível a importância dessas fileiras de zeros e uns que parecem
dominar o mundo. Espero que no fim do processo os meus preciosos voltem de fato
a ficar acessíveis.
Esse acontecimento pode nos
trazer diversas lições, e é bom que aprendamos, pra não ficar só com a parte
ruim.
A primeira delas é a precaução.
Como diz o Mestre, confie em Deus, mas tranque a porta. E isso eu não fiz
quando fui negligente em “backupear” meus arquivos.
A segunda lição é ter atenção.
Somente quando estamos completamente presentes, podemos nos precaver contra
esse tipo de falhas. Recordando-me do exato momento em que eu apertei os botões
que apagaram tudo no disco, é claro que eu estava completamente ausente,
pensando em sei lá que inutilidade. Precisamos ocupar o nosso corpo. Devemos
focar nossa atenção em nossa própria presença.
O terceiro ponto é que temos que
exercitar o desapego. Ainda não sei se conseguirei recuperar tudo aquilo que
foi apagado, mas se não conseguir, preciso evitar ficar remoendo a mágoa pela
perda. Se não, vou entrar em um “se-eu-não-tivesse-feito-isso” interminável,
que além de não resolver nada, retira a energia de quem cai nessa esparrela. Em
uma situação como essas, devemos seguir em frente. Olhemos pelo lado positivo:
era hora de o passado dar lugar para novas maneiras de olhar o mundo, de viver
a vida. Criemos novos arquivos, mais condizentes com aquilo que somos neste
exato momento, neste exato local. Nada mais adequado do que limparmos nossas
memórias internas e externas, na busca de novos horizontes, novos perfumes e
novas luzes.
É hora de nos libertarmos desses
megas, gigas e terabytes de passado e nos (des)preenchermos com o presente. Por
mais que tenhamos a necessidade de armazenar coisas para oportuna consulta,
sejamos conscientes que por mais que a tecnologia avance, jamais será um
computador capaz de sentir a fragrância de uma flor orvalhada, ou de saborear
uma fruta tirada do pé. E nem saberá o significado de amar e de ser livre.
E nada disso deixa de existir,
quer seja quando sem querer apagamos nossas pastas, subpastas e subsubpastas,
quer seja quando nos esquecemos da beleza da existência. Em ambos os casos, o
frescor do nosso Ser interno está sempre a nos mostrar que estamos prontos a
deixar aquilo que já não serve para trás.
Dê um Ctrl+Alt+Del em todos os
seus perfis falsos, que te fazem repetir padrões de comportamento indesejáveis
sem que você possa fazer nada. Que te obrigam a escutar aquela ladainha mental
sem fim, todos os dias da sua vida. É hora de assumirmos o controle sobre
nossas vidas, deixando pra trás toda essa bagagem inútil que carregamos,
inconscientemente, sobre nossos ombros ou dentro de nossas pequenas maravilhas
digitais.
Afinal, o que de realmente
importante poderia ser guardado em uma pequena caixinha de rabo preto?
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