terça-feira, 9 de agosto de 2016

Ctrl+Alt+Del





A nossa vida vem cabendo em uma pequena caixinha de rabo preto. É o tal do HD externo, que surgiu pra nos trazer inúmeras facilidades, até o dia em que cai, quebra ou é formatado inadvertidamente. E foi exatamente isto que ocorreu comigo ainda ontem à tarde. Ao invés de formatar um pendrive que estava espetado em uma porta USB do notebook, errei de pasta e apaguei quase 1 tera inteirinho de dados, entre documentos, livros, músicas, vídeos e fotos. Foi como se eu perdesse um braço, ou um rim.

Passados os primeiros momentos, pus-me a pensar o que poderia significar aquela perda. Bem, ali estavam documentos importantes e textos escritos por mim nos últimos anos, além de fotos de viagens. Era muita coisa: dezenas de milhares de arquivos, dos mais variados. Certamente, muita coisa boa não será recuperada, mas também muita tralha desnecessária. E se não tem jeito, o que hei de fazer?

Esses foram meus primeiros pensamentos, que me trouxeram algum conforto. Fiquei olhando para aquele pequeno objeto que havia pouco continha aquilo que eu considerava uma riqueza, e que havia se evaporado (sempre me perguntei para onde os dados apagados iam depois de descartados). E o pior é que eu vinha adiando há muito fazer um backup do disco. Azar o meu!

Assim que eu percebi a merda besteira que havia feito, olhei para os dois lados, meio envergonhado. Cliquei novamente na pasta correspondente ao HD, pra me certificar de que eu havia, de fato, cometido aquele despautério. E daí, após alguns segundos de intensa angústia, perguntei a um colega de trabalho que se senta logo à minha frente, se ele sabia se aquilo tinha remédio. A boa notícia é que ele falou que talvez sim. Que os arquivos poderiam ser recuperados com a utilização do software correto. Um novo ânimo percorreu minhas veias e artérias. Senti-me como um condenado merecedor da indulgência divina. Era só fazer o download e o milagre ocorreria.

Corri pra casa e visitei o dito site (os computadores do trabalho são travados pra esse tipo de coisa). Em poucos segundos baixei a coisa e comecei a rodá-la. Na primeira tentativa, nada feito. Voltei a desolar-me. Havia, porém, um outro botão, de nome “verificação profunda”, que alertava, em letras destacadas, que ali os arquivos poderiam ser mais facilmente recuperados, mas que perderiam seus nomes originais. Isto é, eu teria os dados, mas sem qualquer identificação ou organização nas centenas milhares de pastas, subpastas e subsubpastas. Fiquei com preguiça só de pensar no esforço que teria que fazer para localizar e organizar tudo de novo. Cheguei a pensar – pasmem! – que o melhor seria perder tudo..... vida nova!, falei comigo mesmo, dominado pela falta de entusiasmo de ter zilhões de arquivos pagãos, cujos nomes lhes foram arrancados em razão de uma patacoada digital de minha parte.

Voltei a refletir e lembrei-me dos arquivos do trabalho, cuja recriação seria mais trabalhosa que a tentativa de os localizar nesse universo de pastas e subpastas e subsubpastas. O resultado é que o computador está lá, firme e forte, indicando-me a todo segundo a recuperação de mais uma porção de minha vida convertida em bites e bytes. É incrível a importância dessas fileiras de zeros e uns que parecem dominar o mundo. Espero que no fim do processo os meus preciosos voltem de fato a ficar acessíveis.

Esse acontecimento pode nos trazer diversas lições, e é bom que aprendamos, pra não ficar só com a parte ruim.

A primeira delas é a precaução. Como diz o Mestre, confie em Deus, mas tranque a porta. E isso eu não fiz quando fui negligente em “backupear” meus arquivos.

A segunda lição é ter atenção. Somente quando estamos completamente presentes, podemos nos precaver contra esse tipo de falhas. Recordando-me do exato momento em que eu apertei os botões que apagaram tudo no disco, é claro que eu estava completamente ausente, pensando em sei lá que inutilidade. Precisamos ocupar o nosso corpo. Devemos focar nossa atenção em nossa própria presença.

O terceiro ponto é que temos que exercitar o desapego. Ainda não sei se conseguirei recuperar tudo aquilo que foi apagado, mas se não conseguir, preciso evitar ficar remoendo a mágoa pela perda. Se não, vou entrar em um “se-eu-não-tivesse-feito-isso” interminável, que além de não resolver nada, retira a energia de quem cai nessa esparrela. Em uma situação como essas, devemos seguir em frente. Olhemos pelo lado positivo: era hora de o passado dar lugar para novas maneiras de olhar o mundo, de viver a vida. Criemos novos arquivos, mais condizentes com aquilo que somos neste exato momento, neste exato local. Nada mais adequado do que limparmos nossas memórias internas e externas, na busca de novos horizontes, novos perfumes e novas luzes.

É hora de nos libertarmos desses megas, gigas e terabytes de passado e nos (des)preenchermos com o presente. Por mais que tenhamos a necessidade de armazenar coisas para oportuna consulta, sejamos conscientes que por mais que a tecnologia avance, jamais será um computador capaz de sentir a fragrância de uma flor orvalhada, ou de saborear uma fruta tirada do pé. E nem saberá o significado de amar e de ser livre.

E nada disso deixa de existir, quer seja quando sem querer apagamos nossas pastas, subpastas e subsubpastas, quer seja quando nos esquecemos da beleza da existência. Em ambos os casos, o frescor do nosso Ser interno está sempre a nos mostrar que estamos prontos a deixar aquilo que já não serve para trás.

Dê um Ctrl+Alt+Del em todos os seus perfis falsos, que te fazem repetir padrões de comportamento indesejáveis sem que você possa fazer nada. Que te obrigam a escutar aquela ladainha mental sem fim, todos os dias da sua vida. É hora de assumirmos o controle sobre nossas vidas, deixando pra trás toda essa bagagem inútil que carregamos, inconscientemente, sobre nossos ombros ou dentro de nossas pequenas maravilhas digitais.

Afinal, o que de realmente importante poderia ser guardado em uma pequena caixinha de rabo preto?


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