Cipriano é um trabalhador. Acorda todos os dias às 6 da
manhã, toma um banho, engole um café com pão e se mete dentro de um terno
enquanto caminha até a porta de seu apartamento. Dá tchau pro cachorro e se vai
pelo elevador cheirando a mofo. Chega à garagem e sai em seu carro, para
enfrentar 1 hora e 20 minutos de engarrafamento – se tudo der certo, até o
emprego que odeia.
Respira fundo antes de entrar na grande sala que divide com
umas 50 pessoas, cada uma em seu cubículo sua estação de trabalho. Conhece,
no total, umas cinco pessoas, com quem conversa eventualmente sobre a partida
do fim de semana ou o último caso de corrupção no Governo. Seu trabalho é
revisar planilhas de custo e elaborar relatórios sobre os gastos da companhia. Isso
lhe toma 8 horas todos os dias. Somando-se a isso as quase três horas de
deslocamento, se-a-marginal-não-fechar, chegará em casa por volta das 8 horas
da noite.
A partir desse horário, Cipriano é senhor da sua vida. Quase
sempre prepara comida pronta no micro-ondas e liga a TV, para ver o noticiário.
Muda da Band para o SBT e daí para a Globo. Quando o gatonet funciona, consegue
assistir a Globonews e a algum filme pornô antes de dormir. E dorme cedo, pois
no outro dia terá que levantar novamente às 6 da manhã.
Cipriano tem dois sonhos: o primeiro e o mais importante é
trocar a sua TV. O outro, que tem lhe tirado o sono, é que precisa comprar um
novo carro, pois “aquele já deu o que tinha que dar”.
Nos finais de semana, Cipriano acorda um pouco mais tarde e
passeia com o cachorro, herança da ex-mulher. Aproveita para dar uma caminhada,
na esperança de perder alguns gramas de sua proeminente barriga. Nesses momentos,
ele calcula que faltam somente 17 anos para se aposentar.
Cipriano morrerá no próximo domingo. Ele estará em casa,
sozinho, assistindo um filme qualquer no Netflix. Seu coração vai parar.
Encontrarão o corpo na terça-feira à tarde, após o seu chefe mandar um office
boy da empresa com uma notificação de abandono de emprego. Seria demitido no
dia seguinte, se estivesse vivo.
Wilson preparará o corpo para o sepultamento. Coisa simples,
pede o irmão de Cipriano. Só ele e sua filha velarão o corpo, enquanto se
mantêm atualizados das últimas notícias de seus grupos de whatsapp. Wilson se
alegra pelo trabalho rápido e fecha a loja 15 minutos mais cedo. Tem jogo do
timão.
Duas placas de cimento são colocadas sobre o caixão, o suficientemente
rápido para que o irmão e a sobrinha saiam a tempo de atender aos seus
compromissos. Ele vai se encontrar com a amante. Ela, com a namorada.
No dia seguinte, combinaram de largar o cachorro em qualquer
lugar, longe de casa.
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