Existe muito pouca gente satisfeita com seus relacionamentos
afetivos. É só olhar em volta pra perceber que, na maioria das vezes, o outro é
referido com um tom de enfado, como se fosse um sacrifício permanecer ao seu lado. O remédio para resolver tal situação, quase sempre, é mudar de
parceiro(a). Isso até que funciona por um tempo, mas tudo volta a ocorrer como
antes, até que a pessoa desiste de encontrar o par perfeito e se contenta,
infeliz, com aquele a quem lhe coube dividir a existência.
O que as pessoas não percebem é que não dá pra amar o outro
ou a outra se a gente não tem um pingo de amor próprio, de autoestima, de
felicidade ao olhar no espelho. Cheios de frustrações e traumas que somos, não
perdoamos o outro por não poder suprir nossas carências ou curar nossas
feridas. Sendo assim, o consideramos culpado pela nossa desarmonia.
Acreditamos, literalmente, que estamos dormindo com o inimigo.
Tornou-se quase um chavão dizer que a gente tem que se
sentir feliz sozinho, para então se aventurar na busca da outra metade da
laranja. O que ninguém nunca nos explicou é como resolver a primeira parte da
equação. E como não queremos passar o resto da vida solitários, até que uma luz
vinda de não sei onde ilumine as nossas sombras, vamos viver o “sonho a dois”
desse jeito mesmo, lambendo as feridas e buscando ajuda na pessoa que, quase
sempre, vive a mesma situação que nós mesmos.
Bem, aí as coisas podem funcionar de maneiras diversas.
Quando as almas que se encontram são um pouco mais conscientes, é possível que
o relacionamento seja um ponto de apoio para que cada um, individualmente,
possa se entender melhor, visualizando no outro as suas próprias dificuldades. E
ter que lidar com as nossas dores enquanto ajudamos o outro nas suas também
pode ser proveitoso, já que tira o foco do nosso ego e nos força agir de
maneira mais tolerante e compassiva.
Mas se o casal é formado por pessoas cujos sentimentos ainda
estão no nível do egoísmo, a relação se transforma em uma agressão energética
recíproca. E aquilo que começa como admiração e respeito se transforma em ódio
e ressentimento, exatamente pelos mesmos motivos que fazem o afogado levar ao
fundo, consigo, a pessoa que está mais próxima, ainda que essa seja a sua
potencial salvadora. Não se trata de maldade, mas de carência.
Tal carência, em um nível mais profundo, gera depressão. E essa
depressão não necessariamente precisa ser aquela em que a pessoa não consegue
sequer se levantar da cama (embora esta também possa ocorrer). Pode se
apresentar também com um aprofundamento da baixa autoestima, caracterizado pelo
completo abandono com o cuidado com seu corpo, com seu trabalho ou, pior, com seus filhos.
Todos conhecem aquela mulher que simplesmente abandonou
qualquer ambição estética. Que mudou a partir de algum tempo de relacionamento
e hoje não é nem a sombra da jovem bonita e produzida que foi um dia. Está um
caco, diriam alguns. Ou do homem que a única coisa que faz, além de trabalhar,
é assistir televisão e beber. Da mesma forma que a mulher, também esquece
qualquer cuidado com o corpo, e a barriguinha começa a aparecer. Está um traste, diriam outras.
Nas reuniões de família ou de amigos, logo se formam dois
grupos distintos, como nas festinhas de pré-adolescentes dos anos 80. Maridos
de um lado, esposas de outro.
Do lado feminino, as conversas via de regra se concentram em
falar da vida alheia. E quando o assunto diz respeito a alguém do grupo, não é
incomum que se restrinja aos dissabores conjugais, da desvalorização que
sentem, da falta de sentido no relacionamento. Outro assunto recorrente é relativo
ao consumo de roupas, sapatos e outros artigos do gênero.
Na ala masculina, a situação não é nem um pouco melhor. O papo
gira em torno do futebol, da política e, adivinhem, da mulher cheia de manias, ciumenta,
possessiva, gastadora e reclamona. Em dado momento, porém, na tentativa de
diminuir a frustração do grupo alguém diz: é assim mesmo. Mulher é tudo igual. Só
muda o endereço.
É difícil ver, hoje em dia, demonstrações públicas de afeto.
É raro observarmos pessoas que se tratam com cuidado, com respeito, com amor. Tudo
é meio forçado, sem graça. E voltando ao início do texto, torno a dizer que não
é possível estar à vontade com o outro se estamos deslocados quanto a nós
mesmos.
E a única maneira de você se relacionar decentemente consigo
mesmo é conseguir enxergar as máscaras que criou durante toda a vida para se
defender. Aquela do bom moço, ou a do profissional competente, tem também a do
palhaço, da mocinha indefesa, da vítima, da insensível. Cada uma delas
utilizada para buscar atenção, afeto, amor. Pena que elas trazem o efeito exatamente
oposto.
Se não for tarde demais, chame seu parceiro ou sua parceira
e converse com ele sobre como está a vida conjugal. Ainda há respeito? Ainda há, mesmo que lá por baixo da fogueira, um braseiro que pode ser reavivado? Se a
resposta for positiva, proponha iniciar o trabalho de olhar nos olhos do outro
com sinceridade e dizer aquilo que precisa ser dito. Sugira a abertura de um
diálogo constante, com o objetivo de saber o que o outro pensa a respeito de suas atitudes. E mais, é importante que você perceba que aquilo que te
incomoda no outro é exatamente o que você precisa melhorar dentro de você
mesmo.
Exponha seus sentimentos e avalie a melhor maneira de tratar
a situação. Um ponto indispensável é a verdade. Somente através dela será
possível colher os ensinamentos que todo esse sofrimento gerou durante o
relacionamento. E essa tem que ser uma decisão de ambos, ou não funcionará. Se
esse não for o caso, meu amigo, minha amiga, é hora de dar à existência a
chance de nos apresentar outra pessoa, talvez mais adequada ao nosso momento
atual.
É como diz o sábio, “temos que amar a ponto de permitir que
o outro sequer nos ame”.
Amadureça e deixe para trás o sentimento de vitimização que
te perseguiu durante toda a vida. Você está exatamente no lugar em que se
colocou, e somente você pode sair da situação infeliz em que se encontra.
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