sexta-feira, 28 de agosto de 2015

Dormindo com o inimigo



Existe muito pouca gente satisfeita com seus relacionamentos afetivos. É só olhar em volta pra perceber que, na maioria das vezes, o outro é referido com um tom de enfado, como se fosse um sacrifício permanecer ao seu lado. O remédio para resolver tal situação, quase sempre, é mudar de parceiro(a). Isso até que funciona por um tempo, mas tudo volta a ocorrer como antes, até que a pessoa desiste de encontrar o par perfeito e se contenta, infeliz, com aquele a quem lhe coube dividir a existência.

O que as pessoas não percebem é que não dá pra amar o outro ou a outra se a gente não tem um pingo de amor próprio, de autoestima, de felicidade ao olhar no espelho. Cheios de frustrações e traumas que somos, não perdoamos o outro por não poder suprir nossas carências ou curar nossas feridas. Sendo assim, o consideramos culpado pela nossa desarmonia. Acreditamos, literalmente, que estamos dormindo com o inimigo.

Tornou-se quase um chavão dizer que a gente tem que se sentir feliz sozinho, para então se aventurar na busca da outra metade da laranja. O que ninguém nunca nos explicou é como resolver a primeira parte da equação. E como não queremos passar o resto da vida solitários, até que uma luz vinda de não sei onde ilumine as nossas sombras, vamos viver o “sonho a dois” desse jeito mesmo, lambendo as feridas e buscando ajuda na pessoa que, quase sempre, vive a mesma situação que nós mesmos.

Bem, aí as coisas podem funcionar de maneiras diversas. Quando as almas que se encontram são um pouco mais conscientes, é possível que o relacionamento seja um ponto de apoio para que cada um, individualmente, possa se entender melhor, visualizando no outro as suas próprias dificuldades. E ter que lidar com as nossas dores enquanto ajudamos o outro nas suas também pode ser proveitoso, já que tira o foco do nosso ego e nos força agir de maneira mais tolerante e compassiva.

Mas se o casal é formado por pessoas cujos sentimentos ainda estão no nível do egoísmo, a relação se transforma em uma agressão energética recíproca. E aquilo que começa como admiração e respeito se transforma em ódio e ressentimento, exatamente pelos mesmos motivos que fazem o afogado levar ao fundo, consigo, a pessoa que está mais próxima, ainda que essa seja a sua potencial salvadora. Não se trata de maldade, mas de carência.

Tal carência, em um nível mais profundo, gera depressão. E essa depressão não necessariamente precisa ser aquela em que a pessoa não consegue sequer se levantar da cama (embora esta também possa ocorrer). Pode se apresentar também com um aprofundamento da baixa autoestima, caracterizado pelo completo abandono com o cuidado com seu corpo, com seu trabalho ou, pior, com seus filhos.

Todos conhecem aquela mulher que simplesmente abandonou qualquer ambição estética. Que mudou a partir de algum tempo de relacionamento e hoje não é nem a sombra da jovem bonita e produzida que foi um dia. Está um caco, diriam alguns. Ou do homem que a única coisa que faz, além de trabalhar, é assistir televisão e beber. Da mesma forma que a mulher, também esquece qualquer cuidado com o corpo, e a barriguinha começa a aparecer. Está um traste, diriam outras.

Nas reuniões de família ou de amigos, logo se formam dois grupos distintos, como nas festinhas de pré-adolescentes dos anos 80. Maridos de um lado, esposas de outro.

Do lado feminino, as conversas via de regra se concentram em falar da vida alheia. E quando o assunto diz respeito a alguém do grupo, não é incomum que se restrinja aos dissabores conjugais, da desvalorização que sentem, da falta de sentido no relacionamento. Outro assunto recorrente é relativo ao consumo de roupas, sapatos e outros artigos do gênero.

Na ala masculina, a situação não é nem um pouco melhor. O papo gira em torno do futebol, da política e, adivinhem, da mulher cheia de manias, ciumenta, possessiva, gastadora e reclamona. Em dado momento, porém, na tentativa de diminuir a frustração do grupo alguém diz: é assim mesmo. Mulher é tudo igual. Só muda o endereço.

É difícil ver, hoje em dia, demonstrações públicas de afeto. É raro observarmos pessoas que se tratam com cuidado, com respeito, com amor. Tudo é meio forçado, sem graça. E voltando ao início do texto, torno a dizer que não é possível estar à vontade com o outro se estamos deslocados quanto a nós mesmos.

E a única maneira de você se relacionar decentemente consigo mesmo é conseguir enxergar as máscaras que criou durante toda a vida para se defender. Aquela do bom moço, ou a do profissional competente, tem também a do palhaço, da mocinha indefesa, da vítima, da insensível. Cada uma delas utilizada para buscar atenção, afeto, amor. Pena que elas trazem o efeito exatamente oposto.

Se não for tarde demais, chame seu parceiro ou sua parceira e converse com ele sobre como está a vida conjugal. Ainda há respeito? Ainda há, mesmo que lá por baixo da fogueira, um braseiro que pode ser reavivado? Se a resposta for positiva, proponha iniciar o trabalho de olhar nos olhos do outro com sinceridade e dizer aquilo que precisa ser dito. Sugira a abertura de um diálogo constante, com o objetivo de saber o que o outro pensa a respeito de suas atitudes. E mais, é importante que você perceba que aquilo que te incomoda no outro é exatamente o que você precisa melhorar dentro de você mesmo.

Exponha seus sentimentos e avalie a melhor maneira de tratar a situação. Um ponto indispensável é a verdade. Somente através dela será possível colher os ensinamentos que todo esse sofrimento gerou durante o relacionamento. E essa tem que ser uma decisão de ambos, ou não funcionará. Se esse não for o caso, meu amigo, minha amiga, é hora de dar à existência a chance de nos apresentar outra pessoa, talvez mais adequada ao nosso momento atual.

É como diz o sábio, “temos que amar a ponto de permitir que o outro sequer nos ame”.

Amadureça e deixe para trás o sentimento de vitimização que te perseguiu durante toda a vida. Você está exatamente no lugar em que se colocou, e somente você pode sair da situação infeliz em que se encontra. 

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